É preciso reaprender a trabalhar, construir novos formatos, novas formas de comunicação, de trabalho assíncrono, de uso da IA e tecnologia.
Estive em Austin no SXSW para acompanhar os debates e palestras sobre o bem-estar no futuro do trabalho. Estar no centro de inovação global, ouvindo tendências tão relevantes para uma nova construção sobre o trabalho, me trouxe ainda mais certeza: o trabalho não será mais visto da mesma forma que o vimos nas últimas décadas.
Annie Dean, VP Team Anywhere da Atlassian, vem estudando o modelo de trabalho híbrido há alguns anos, desde antes da pandemia. Na sua visão, era preciso criarmos formas mais flexíveis de trabalharmos, pois, a longo prazo, da maneira que estávamos, seria insustentável, já que os indicadores de saúde mental só pioravam, e ao redor, ela via muitos adoecendo, principalmente mulheres.
Era preciso uma mudança. Porém, para Annie Dean, antes de 2020, por muitas vezes, ela achou que o modelo não sairia do planejamento, caso a gente continuasse com o mesmo olhar para o trabalho. Annie ainda brincou: "Falávamos que somente uma pandemia levaria todos para casa." E foi assim que começamos a repensar o trabalho, impulsionados pela mudança abrupta que sofremos.
A falta de planejamento para nos relacionarmos e comunicarmos no modelo remoto nos fez mais workaholics, como se tivéssemos que estar 24h conectados e passarmos o dia juntos em reunião. O resultado, todos sabem: aumentamos em quase três vezes o tempo em reunião, sendo que muitas delas são consideradas improdutivas. Além disso, não trabalhamos o fator essencial para o mundo híbrido: comunicação transparente, colaboração e relações de confiança.
Não é possível seguirmos com as mesmas métricas, medindo produtividade por horas trabalhadas, simplesmente porque sempre foi assim, ou precisarmos estar juntos para trabalhar. É preciso reaprender a trabalhar, construir novos formatos, novas formas de comunicação, de trabalho assíncrono, de uso da IA e tecnologia.
E quando vemos as novas gerações começando a trabalhar no momento da pandemia, eles já vêm para o mercado de trabalho com um novo olhar, que foca em resultados, em entregas, e não horas trabalhadas. Chegam com a mentalidade de que trabalhar de qualquer lugar funciona bem e que não tem sentido ficarmos das 9h às 18h todo dia no escritório, caso tenhamos resolvido antes o que temos que fazer. É sobre flexibilizar o dia a dia, compreendendo que, em alguns dias, faremos horas extras, mas, ao mesmo tempo, em outros dias, poderíamos fazer escolhas de resolver outras questões além do trabalho.
A verdade é que o escritório tem seu valor e será necessária a conexão presencial em vários momentos, segundo o estudo de Annie Dean. Porém, precisamos definir e planejar melhor como trabalhar de forma mais flexível e híbrida e qual o real motivo de nos deslocarmos aos escritórios: ter um espaço para as pessoas que não têm espaço ou recursos em casa, ter o local para senso de comunidade e pertencimento e aumentar a conexão entre pessoas, realizar trocas intencionais juntos, resolver problemas, fazer um team building, co-criar.
Mas é preciso entender que o tempo sozinho, em casa ou no 'anywhere office', também é necessário: ter momento de hiperfoco, realizar trabalho assíncrono com pessoas de diferentes time zones e planejar. E, para isso, permitir fazermos quando e onde quisermos aumentará os resultados. Não será do dia para a noite a mudança; dá trabalho, segundo Annie. É mais fácil voltar ao conhecido, fazer sempre tudo do mesmo jeito, mas os resultados têm sido ruins para as organizações e para as pessoas. Não há correlação entre o presenteísmo e entregar resultados. Precisamos de uma liderança próxima, que traga clareza de metas e como alcançar os resultados. Não é simplesmente estarmos presentes juntos, mas está na hora de mudar a forma com que trocamos as informações e nos comunicamos.
E por que distribuir o trabalho e torná-lo mais flexível? Segundo Annie, há diversos aspectos, mas vou seguir com os quatro que ela apresentou como principais:
Deixar as pessoas focarem no que realmente é importante e deixarem de perder tempo com algo que não traz resultados: muitas reuniões, comunicação falha, não achar a informação facilmente.
Acesso a talentos, pela DEI, pelo engajamento, pela retenção de talentos e sustentabilidade.
Eficiência e redução de custos.
Planejamento, design e controle são muito mais efetivos do que deixar somente as coisas acontecerem de forma orgânica como sempre fizemos quando estávamos juntos no escritório.
Assíncrono traz criatividade. Para isso, é importante a comunicação clara, as metas bem definidas e planejadas e a autorresponsabilidade. Se o time quer mais flexibilidade, precisa também se comprometer. É sair do comando e controle, e seguir para a confiança. E planejarmos os momentos juntos, que também são tão importantes, tanto para nosso engajamento quanto para nossa felicidade.
É um novo mundo do trabalho que vem sendo construído. Podemos lutar contra mudanças ou construí-las de forma planejada, desenhada e bem executada. De que lado você está?