De acordo com especialistas, redução de jornada aumenta a produtividade e traz benefícios para a saúde mental dos funcionários
A partir de junho, empresas brasileiras de diferentes segmentos poderão participar de um estudo para testar a redução da jornada de trabalho de cinco para quatro dias semanais. Esse modelo já vem sendo adotado no Brasil e em outros países, com o objetivo de aumentar a produtividade e melhorar a saúde mental e o bem-estar dos colaboradores. A iniciativa será desenvolvida pela organização sem fins lucrativos 4 Day Week Global e pelo Boston College, em parceria com a Reconnect Happiness at Work, uma companhia de São Paulo especializada em felicidade corporativa e liderança positiva.
Renata Rivetti, fundadora e diretora da Reconnect, explica que o projeto da 4 Day Week Global teve início em 2018, quando Andrew Barnes, fundador da empresa financeira Perpetual Guardian, da Nova Zelândia, passou a buscar formas de aumentar a produtividade de sua companhia e testou a redução da jornada de trabalho com seus colaboradores, obtendo resultados positivos. Assim, fundou a organização sem fins lucrativos com o objetivo de disseminar o modelo para instituições de outras nações. Atualmente, países como Portugal e África do Sul estão realizando testes da semana com quatro dias.
A iniciativa prevê que o modelo adotado nas empresas siga o padrão 100-80-100, ou seja, os empregados recebem 100% do salário, trabalhando 80% do tempo e mantendo 100% da produtividade.
— Quando vi esse movimento, entrei em contato para criar o piloto aqui no Brasil, porque acredito muito no modelo. Temos indicadores bem ruins de saúde mental, existe uma sobrecarga de trabalho e percebemos que as pessoas estão sofrendo, então precisamos de mudanças estruturais. Trabalhamos muito, mas somos pouco produtivos e perdemos tempo com processos que poderiam ser automatizados. A proposta da semana com quatro dias é rever tudo isso e construir uma nova forma de trabalhar, mais eficiente e em menos tempo — defende Renata.
Nos dois primeiros meses do estudo, o foco será em disseminar informações acerca do funcionamento do modelo. Em agosto, começará o cadastramento das companhias que efetivamente participarão e, em setembro, a preparação para o estudo. Nessa etapa, serão realizadas pesquisas e análises junto ao Boston College a fim de entender como está a produtividade e a saúde mental dos colaboradores antes do início dos testes, que será em novembro, com duração de seis meses.
De acordo com a fundadora da Reconnect, companhias de todos os perfis e segmentos podem participar do estudo, seja com todos seus funcionários ou apenas algumas equipes selecionadas. Renata destaca que esses testes são uma forma de entender se a empresa consegue se adaptar ou não à medida e, por isso, é importante medir os resultados — o que será feito na metade (após três meses) e no final da pesquisa (após seis meses).
— Tanto a Reconnect quanto a 4 Day Week Global serão responsáveis por passar o modelo e apoiar as empresas no redesenho dos trabalhos. O Boston College estará junto conosco, medindo os resultados. Existe um custo de participação, que ainda não está definido, mas o objetivo é entender o que funciona aqui e como podemos adaptar esse modelo para a realidade brasileira — explica, acrescentando que, em sua visão, o mercado corporativo precisa enfrentar uma transformação, que ajude a revolucionar a forma de viver, equilibrando os lados pessoal e profissional.
Para obter mais detalhes sobre o projeto da semana de trabalho com quatro dias, as empresas interessadas devem preencher o formulário disponível neste site. Conforme Renata, desde que os testes no Brasil foram divulgados, cerca de 400 companhias de diferentes Estados já se cadastraram para receber informações prévias a respeito do modelo.
Benefícios para funcionários e empresas
Na avaliação de especialistas, a redução da jornada traz benefícios tanto para os funcionários quanto para as empresas que adotam a medida. Manoela Ziebell de Oliveira, professora do curso de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Escola de Ciências da Saúde e da Vida da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), comenta que estudos realizados em outros países já mostram maiores níveis de satisfação e engajamento com o trabalho entre as pessoas que têm a oportunidade de usufruir da semana com quatro dias.
— O engajamento é o quanto de vigor, dedicação, atenção e nível de prazer as pessoas têm no trabalho que estão fazendo. Quando as pessoas estão mais engajadas, são mais produtivas. Vemos resultado de desempenho, satisfação e bem-estar no trabalho, por isso, a redução da jornada pode ser muito positiva para as organizações. Na literatura de psicologia positiva, engajamento também é algo que pode prevenir o burnout (síndrome de estresse crônico relacionado ao trabalho) — esclarece Manoela, que também coordenada um grupo de estudos sobre desenvolvimento de carreira.
A professora aponta outro aspecto positivo do novo modelo, citando como exemplo os funcionários de empresas que têm jornadas tradicionais, com oito horas de trabalho presencial por dia, em horário comercial, de segunda a sexta-feira. Geralmente, essas pessoas precisam resolver questões práticas ou problemas no sábado para, somente no domingo, conseguirem descansar. Portanto, considera que o primeiro benefício efetivo da redução seja justamente o fato de que o empregado passa a ter um dia útil para cuidar de suas demandas pessoais:
— Com isso, as pessoas podem cuidar melhor de si e, assim, estarão mais inteiras para o trabalho. Trabalhar é gastar energia, se eu dou um dia a mais para as pessoas se recuperarem, estou contribuindo para o desempenho e o bem-estar delas no trabalho. Temos visto aumentar os casos de burnout, porque as pessoas não conseguem recobrar a energia no período de folga.
Mas para que o modelo funcione não basta reduzir a jornada e manter a mesma quantidade de trabalho e de cobrança que haveria em cinco dias, ressalta Manoela. É preciso que haja um equilíbrio e que a demanda de atividades esteja de acordo com o número de horas trabalhadas, a fim de evitar que a pessoa leve pendências para casa ou trabalhe por mais tempo do que deve nos quatro dias.
Assim, cada empresa tem que rever o que é prioritário para seu funcionamento e adequar o que realmente é indispensável, reorganizando as demandas e rotinas de trabalho. Manoela aponta que, nesse cenário, talvez alguns processos tenham que ser automatizados ou seja preciso fazer um investimento e contratar mais pessoas — o que, para a professora, resolveria outro problema: a diminuição de postos de trabalho disponíveis no Brasil.
Reflexos na economia
Mesmo assim, o impacto dessa mudança nos custos das empresas é muito pequeno, conforme o que se tem observado ao longo das décadas, afirma o professor da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Cássio Calvete, que faz pós-doutorado na Universidade de Oxford sobre a redução da jornada de trabalho. De acordo com o economista, em 2005, esses custos não chegavam a 2% e, com a última redução no Brasil, há mais de 30 anos, o aumento de produtividade na economia foi muito positivo.
— O impacto de custo para as empresas é desprezível, enquanto para a sociedade, para as relações sociais, para a saúde mental e física, há um ganho enorme. Mas as empresas costumam ver como um aumento de custo porque terão que pagar o mesmo salário para os funcionários trabalharem menos horas, e também porque podem ter que contratar mais pessoas — comenta Calvete.
A resistência de muitos empresários ao modelo, segundo o professor, está relacionada justamente a essa visão micro, voltada apenas ao que ocorre dentro da própria companhia. Mas o especialista garante que, olhando para o macro, o efeito é positivo para a economia, principalmente considerando que há uma despadronização da jornada de trabalho no Brasil. Nesse ponto, concorda com a professora Manoela sobre a possibilidade de aumentar a geração de vagas de emprego:
— No começo dos anos 2000, quase todo mundo trabalhava entre 40 e 44 horas. Hoje, não temos mais isso. Há pessoas que trabalham 50, 60 horas, enquanto outros trabalham 20. Uma redução poderia contribuir para que mais pessoas trabalhassem, poderia gerar postos de trabalho, mesmo que o mais importante nem seja a geração de emprego, mas sim o bem-estar da sociedade.
Calvete acrescenta que, em 1998, a França teve uma experiência de redução de jornada de 39 horas para 35 horas semanais, que gerou o crescimento de seu produto interno bruto (PIB) e o aumento da produtividade nas empresas. Por isso, considera o modelo bem-sucedido e acredita que os resultados positivos de empresas de outros países são uma forma de mostrar que a diminuição para quatro dias de trabalho não é “nenhum bicho de sete cabeças”.
— Essa vitrine vem em boa hora para mostrar a possibilidade, viabilidade e efeitos positivos, indo contra o discurso de que vai quebrar a empresa. Isso não é verdade. Na última vez que o Brasil reduziu a jornada, em 1988, estávamos em plena recessão e mesmo assim gerou empregos. As experiências que temos mostram um reflexo positivo na economia — finaliza o professor.
GZH entrou em contato com o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), questionando se a pasta teria algum envolvimento na aplicação dos testes no Brasil e como avalia a jornada de trabalho com quatro dias, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.