O Brasil é um dos lugares com a pior saúde mental do mundo. De uma lista de 71 países, só não estamos pior do que o Uzbequistão, o Reino Unido e a África do Sul. Entre os mais saudáveis estão a República Dominicana, o Sri Lanka, a Tanzânia e o Panamá – e até a Venezuela está no top 10.
Pode parecer piada para um leitor desavisado que vê a Venezuela tão bem colocada, mas o ranking é feito por uma conceituada ONG chamada Sapien Labs que organiza e lidera o Global Mind Project.
O projeto que faz pesquisas em todos os países do ranking não só é respeitado, como também repercute muito.
Vivek H. Murthy, o Cirurgião-Geral dos Estados Unidos – uma espécie de chief medical officer do governo americano – disse recentemente que uma das principais lições do ranking é que “a prosperidade econômica não é a chave para a felicidade. Na verdade, o que estamos vendo é que em muitos países que estão cada vez mais modernizando suas economias, estamos vendo a infelicidade crescer.”
Para Gabriela Baumgart, presidente do conselho do IBGC e da Track & Field, “a saúde mental deve estar na pauta dos conselhos.”
Além de ranquear os países, o estudo também mostra que os mais jovens têm apresentado saúde mental pior do que os mais velhos. Até 2010, os mais jovens apresentaram notas mais altas em termos de felicidade e humor, uma tendência que vem sendo revertida desde então, segundo Gabriela.
“Temos que nos perguntar: será que a nova forma de trabalho, será que a questão do isolamento social, será que a questão de a gente estar muito mais em tela do que em reuniões presenciais também não agrava este quadro?” Gabriela disse ao Brazil Journal.
“São questões do trabalho moderno, e o nosso papel no conselho é falar sobre o tema sim – até como pano de fundo para para ver o impacto das decisões que a gente está tomando.”
Vivek, o cirurgião-geral dos Estados Unidos, lembra que quando estava na faculdade, os refeitórios da universidade eram lugares barulhentos – onde os alunos se reuniam para bater papo, sem parar.
Mas hoje os refeitórios estão silenciosos, com os alunos mergulhados no celular, nas redes sociais, e com fone nos ouvidos.
“Nosso músculo social tem que ser construído ao longo do tempo. Se não o exercitarmos, ou seja, se não interagirmos com outras pessoas, o músculo fica mais fraco e a interação se torna cada vez mais difícil,” disse Vivek. “É isso o que estamos vendo nos nossos filhos.”
E é – também – o que as empresas estão experimentando com a Geração Z, e que muitos confundem com uma suposta falta de vontade de trabalhar.
Mas não se trata disso, disse Renata Rivetti, da Reconnect Happiness at Work, que está liderando o projeto de implantação da semana de 4 dias para 20 empresas brasileiras.
“A Geração Z entrou no mercado de trabalho na pandemia e, por isso, eles já enxergam o trabalho de outra forma,” disse Renata.
“Eles querem crescer, querem se desenvolver. Mas também querem flexibilidade. Para eles é meio inadmissível terminar um trabalho e ficar na frente do chefe até às seis da tarde só para cumprir horário.”
Deveria ser inadmissível para qualquer um, tanto que o projeto de redução dos dias de trabalho visa aumentar a produtividade (mesmo dando às pessoas um dia a mais para cuidar da vida).
“Ao invés de achar que é uma geração que não quer trabalhar, como é que a gente ajuda e aprende com eles?” disse Renata.
Na definição da pesquisa da Sapien Labs, a saúde mental é a forma como o estado interior de uma pessoa impacta sua habilidade de funcionar no contexto da vida. Os dados são coletados usando uma ferramenta de avaliação online chamada Mental Health Quotient (MHQ).
O tema é dividido em seis dimensões: habilidade de regular emoções e otimismo no futuro; como a pessoa se enxerga aos olhos dos outros; motivação; conexão entre saúde da mente e do corpo; capacidade das funções cognitivas; e desenvoltura para se adaptar e ser resiliente.
Além do ranking com base no MHQ, a pesquisa também lista os países com cidadãos mais e menos estressados ou enfrentando patologias mentais. Neste ranking, os piores são Reino Unido, África do Sul, Brasil e Austrália. Os brasileiros tiraram notas boas nas dimensões relativas à capacidade de adaptação, resiliência e motivação, mas relataram dificuldades nas dimensões de humor e como a pessoa se enxerga aos olhos dos outros.
O cirurgião-geral dos Estados Unidos é quem coloca a felicidade no cômputo geral da saúde mental: “a felicidade das pessoas está intrinsecamente relacionada à saúde. Quando nós não estamos felizes, quando nós não nos sentimos satisfeitos em nossas vidas, isso afeta como nós nos mostramos no trabalho, na escola e em nossas comunidades – mas também impacta nossa saúde física.”
Diante desses dados e análises, fica claro por que a saúde mental e a felicidade deveriam ser pautas prioritárias nos conselhos de administração.